CVM explica sua visão sobre a tokenização e o futuro do mercado de capitais
calendar_month 06/11/2024
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil vem desempenhando um papel fundamental na criação de uma estrutura regulatória que suporte a inovação e segurança no mercado de capitais digitalizado.
Em uma entrevista recente concedida ao Podcast Talkenização, Pedro Castelar (Chefe de Gabinete da Presidência da CVM) compartilhou detalhes sobre o posicionamento da Comissão em relação à tokenização e suas perspectivas para o futuro desse setor.
O surgimento da tokenização no Brasil e a resposta inicial da CVM
À medida que o conceito de tokenização ganhou relevância no Brasil, a CVM, assim como outros reguladores globais, encontrou desafios iniciais ao se adaptar a essa nova tecnologia.
Castelar destacou que o primeiro passo foi compreender as particularidades da blockchain e os impactos que essa inovação traz.
A tecnologia trouxe consigo não apenas benefícios, mas também riscos, o que exigiu da CVM uma abordagem cautelosa para entender até onde se estende sua responsabilidade regulatória.
Inicialmente, a CVM precisou comunicar ao mercado sua visão sobre tokenização, para garantir previsibilidade a investidores e emissores.
Essa comunicação envolveu, além de diretrizes formais, uma busca por regular o setor de forma equilibrada, incentivando a inovação enquanto se resguardam os interesses dos investidores e a integridade do mercado.
Definindo “Tokenização” e o Parecer de Orientação 40
A tokenização é, segundo Castelar, a representação digital de um ativo ou de sua propriedade, feita com o suporte da blockchain.
Esse processo diferencia-se de outros investimentos digitais, como os tokens de pagamento e de utilidade, ao permitir que os tokens representem ativos reais — um conceito que a CVM classifica como asset-backed tokens.
Essa estrutura permite a fracionalização de ativos, facilitando o acesso a novos investidores e democratizando o mercado de capitais.
Castelar mencionou o Parecer de Orientação 40, um documento que foi fundamental para a compreensão regulatória do processo de tokenização.
Nele, a CVM esclarece as categorias de tokens e as normas aplicáveis, oferecendo um guia claro para o mercado sobre os limites e permissões dentro das operações tokenizadas.
Desafios regulatórios iniciais
Castelar detalhou que um dos principais desafios enfrentados pela CVM ao regulamentar a tokenização foi encontrar o equilíbrio entre inovação e segurança.
Ao permitir o desenvolvimento tecnológico, era essencial que se garantisse a proteção dos investidores e a higidez do mercado.
A Comissão precisou, portanto, identificar até que ponto a tecnologia alterava os riscos previamente mitigados pela regulação vigente e, em seguida, desenhar regras que abordassem essas novas ameaças.
Quais são as vantagens da tokenização para a CVM?
Para a CVM, a tokenização representa uma evolução que vai além da simples digitalização dos investimentos, trazendo vantagens substanciais para o mercado de capitais.
Um dos principais benefícios, destacado por Castelar, é a democratização do acesso aos investimentos. A tokenização permite fracionar ativos de alto valor, como imóveis ou grandes títulos, possibilitando que eles sejam adquiridos em porções menores.
Com isso, investidores com diferentes níveis de capital podem participar do mercado, antes restrito a grandes investidores institucionais ou àqueles com alta liquidez.
Além disso, a tokenização proporciona mais transparência e eficiência nas transações, aspectos essenciais para a integridade do mercado financeiro.
A blockchain, base da tokenização, funciona como um livro-razão que registra todas as operações em um banco de dados imutável e acessível, reduzindo a dependência de intermediários para a validação.
Esse recurso reduz a incidência de erros, além de diminuir os custos operacionais.
Outro ponto de destaque é a liquidação automática das transações. A tecnologia de blockchain facilita o processo de “liquidação atômica”, onde a transação é automaticamente concluída e registrada.
Com o Drex, o futuro Real Digital, essas operações poderão ocorrer de maneira ainda mais ágil e segura.
Castelar acredita que essa melhoria não só reduz o tempo das transações, mas também amplia a confiança de investidores que desejam uma execução rápida e segura dos seus investimentos.
A eficiência operacional também é um dos benefícios mais celebrados, pois permite que os custos de transação sejam reduzidos significativamente, promovendo um ambiente de captação mais acessível.
Isso é especialmente relevante para empresas menores que buscam acesso ao mercado de capitais e revela o potencial do mercado de crédito tokenizado.
Assim, a CVM vê na tokenização uma ferramenta poderosa para impulsionar o crescimento do mercado brasileiro, ampliando as possibilidades de captação e a diversidade de investidores.
Desafios regulatórios atuais
A expansão da tokenização gerou novos desafios para a CVM.
Castelar explicou que um dos maiores obstáculos está em compreender e adaptar a regulação para mitigar riscos emergentes e assegurar que a tecnologia de blockchain ofereça uma estrutura segura.
Além disso, a regulamentação precisa estar alinhada com as demandas de acessibilidade, de forma a garantir que investidores com menos recursos possam participar, sem abrir mão da segurança.
Acessibilidade e o impacto no mercado de capitais
Para a CVM, a tokenização democratiza o acesso a investimentos.
Castelar destacou o Open Capital Markets, uma iniciativa inspirada no Open Banking e no Open Finance, cujo objetivo é facilitar o ingresso de novos investidores e emissores.
Essa proposta inclui regulamentações específicas para reduzir barreiras de entrada e aumentar a acessibilidade.
Além disso, ele citou o papel do crowdfunding de investimentos na democratização de capital para pequenas e médias empresas, possibilitando que mais empresas acessem o mercado de capitais.
Revisão da Normativa 88 de Crowdfunding
A Resolução 88, que regulamenta o crowdfunding de investimentos, é um componente crucial na estratégia da CVM para democratizar o acesso ao mercado de capitais.
Originalmente concebida para emissões tradicionais, como títulos de participação e notas comerciais, a normativa agora enfrenta um cenário cada vez mais marcado pela tokenização.
Com o aumento das operações envolvendo tokens de dívida, a CVM percebeu a necessidade de ajustes para tornar a normativa mais inclusiva e compatível com a realidade das ofertas de ativos tokenizados.
Castelar ressaltou que a revisão atual da Resolução 88 está focada em ampliar o escopo da normativa para atender melhor às demandas da tokenização.
Entre as mudanças em discussão, estão o aumento do valor máximo permitido para as ofertas — atualmente limitado a R$15 milhões — e a possibilidade de incluir um maior leque de emissores.
A CVM está considerando ainda permitir a utilização de canais de distribuição intermediários, o que facilitaria a colocação das ofertas e ampliaria a capilaridade do mercado.
A expectativa é que essas atualizações não apenas aprimorem o ambiente regulatório para tokens de dívida, mas também incentivem o surgimento de novos emissores e investidores.
Assim, a revisão da normativa busca promover um mercado de crowdfunding robusto e adaptado às necessidades emergentes de um mercado de capitais digitalizado.
Resolução de problemas estruturais no mercado financeiro
A tokenização se apresenta como uma solução promissora para enfrentar problemas estruturais persistentes no mercado financeiro.
Segundo Castelar, um dos principais benefícios da tecnologia é sua capacidade de padronizar dados e reduzir a necessidade de controles manuais, desafios que frequentemente tornam as operações lentas e suscetíveis a erros.
Com a tecnologia de blockchain, cada transação é registrada de maneira automática e imutável, permitindo que as informações sejam facilmente acessíveis e confiáveis, reduzindo a necessidade de reconciliações frequentes entre diversas partes envolvidas em uma operação.
A automação proporcionada pelos smart contracts também traz vantagens significativas para o mercado, eliminando tarefas redundantes e garantindo que todas as condições contratuais sejam cumpridas automaticamente.
Essa inovação minimiza riscos e libera tempo e recursos para as empresas focarem em atividades estratégicas.
Outro benefício é a transparência no fluxo de dados.
Em vez de as partes precisarem trocar e validar dados constantemente, todos os registros são visíveis e acessíveis, permitindo uma verificação em tempo real e assegurando que as informações são consistentes.
Dessa forma, a tokenização não só resolve problemas operacionais, mas também fortalece a confiança entre emissores, investidores e reguladores, promovendo um ambiente mais seguro e eficiente para todos os participantes.
Estruturação interna e o comitê de governança CRIA
Para enfrentar os desafios e as inovações da tokenização, a CVM estruturou o Comitê de Regulação e Inovação Aplicada (CRIA).
Esse comitê multidisciplinar reúne diferentes superintendências da CVM, como as de empresas, intermediários e registro de ofertas, e serve como uma plataforma estratégica onde essas áreas compartilham conhecimentos, discutem projetos e alinham suas abordagens regulatórias para o avanço das novas tecnologias.
Castelar destacou que o CRIA tem sido essencial para manter a CVM atualizada e coesa na implementação de regulações sobre blockchain e tokenização.
Uma das funções do comitê é promover a troca constante de ideias e assegurar que todas as áreas da CVM estão preparadas para responder aos desafios da inovação financeira.
O CRIA também facilita a criação de novos marcos regulatórios, como os sandbox regulatórios e parcerias com entidades para fomentar estudos comparativos internacionais e iniciativas de testes de novos produtos e tecnologias.
Além disso, o comitê organiza treinamentos e capacitações internas, assegurando que os servidores da CVM estejam preparados para entender, monitorar e regular o mercado digitalizado com eficiência e segurança.
Cooperação da CVM com o Banco Central e o Drex
A colaboração entre a CVM e o Banco Central é um ponto alto da estratégia regulatória brasileira.
Castelar explicou que ambas as entidades compartilham uma visão alinhada sobre a importância da tokenização para o desenvolvimento econômico.
Com o Drex, a moeda digital do Banco Central, a CVM teve a oportunidade de testar e observar a tokenização em um ambiente controlado.
Esse tipo de colaboração possibilita uma regulação mais eficiente e adaptada aos novos formatos de investimento.
Mecanismos de proteção ao investidor
A proteção ao investidor continua sendo um dos pilares da CVM.
O órgão enfatiza a importância da transparência e da divulgação de informações completas sobre emissões tokenizadas.
Além disso, o conceito de suitability — adequação do perfil de investidor ao produto oferecido — é um fator essencial para proteger o investidor, especialmente em um mercado emergente como o de tokens.
A CVM também está atenta a potenciais conflitos de interesse, buscando soluções que evitem prejuízos aos investidores.
Como lidar com o equilíbrio entre proteção e inovação?
A busca pelo equilíbrio entre proteger investidores e incentivar a inovação é um dos maiores desafios da CVM.
Castelar explicou que a Comissão adota uma abordagem de regulação proporcional, ajustando o rigor das normas ao nível de risco de cada atividade.
No caso de tokens emitidos via crowdfunding, por exemplo, a Resolução 88 oferece proteções adequadas, mas também flexibiliza certas exigências, permitindo que pequenos emissores e investidores acessem o mercado com segurança e menos barreiras.
Além disso, a CVM valoriza o diálogo contínuo com o mercado, promovendo consultas públicas e parcerias com entidades de classe e reguladores internacionais.
Esses fóruns colaborativos ajudam o órgão a entender as necessidades dos participantes e a adaptar a regulação de modo dinâmico, mantendo o foco na segurança sem engessar o crescimento do mercado tokenizado.
Assim, a Comissão consegue garantir que a inovação avance dentro de parâmetros que preservem a integridade do mercado e a proteção ao investidor.
O papel da tokenização no futuro do mercado de capitais
A CVM enxerga a tokenização como uma peça central para o futuro do mercado de capitais.
Castelar enfatizou que a tecnologia não apenas facilita o acesso de pequenos investidores, mas também transforma a forma como grandes empresas captam recursos, ao permitir modelos de financiamento mais dinâmicos e acessíveis.
Nos próximos anos, espera-se que o uso de tokens se torne cada vez mais comum, tanto para diversificar portfólios de investidores quanto para ajudar emissores a alcançarem uma base de investidores mais ampla e diversificada.
Além disso, a tokenização promete aprimorar a infraestrutura do mercado financeiro.
Ao simplificar processos e reduzir custos operacionais, a tecnologia aumenta a eficiência, beneficiando emissores e investidores.
Castelar acredita que a tokenização pode atrair mais investidores institucionais, que trazem volume significativo de capital e uma governança mais robusta, favorecendo ainda mais a estabilidade e o crescimento do setor.
Com uma regulação adaptada e o apoio de iniciativas como o Drex, a CVM vê a tokenização como um caminho promissor para que o Brasil se destaque no cenário global, criando um mercado mais inclusivo, transparente e seguro.
Tendências globais e o potencial do Brasil como líder em tokenização
Por fim, Castelar destacou que a CVM está atenta às tendências globais de tokenização e ao desenvolvimento de iniciativas em outros países, como as dos Estados Unidos e da Europa.
A CVM participa ativamente de fóruns internacionais para garantir que as melhores práticas globais sejam adotadas no Brasil.
Para Castelar, o país já possui um protagonismo significativo nesse setor e, com o amadurecimento regulatório, pode se tornar um dos líderes globais em tokenização, impulsionado pela visão inovadora e iniciativas como o Drex.
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